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quarta-feira, 4 de abril de 2012

AS ÚLTIMAS NOITES DE UM RATO




31 DE MARÇO DE 2012

RIO DE JANEIRO - 4:20 DA MANHÃ



O telefone tocou. Como de hábito, meu pai pulou sobre o criado-mudo ao seu lado e atendeu. Agindo conforme um instinto, também saí da cama e segui para o quarto dos meus pais: algo terrível acontecera a alguém. No caminho eu já ouvia meu pai falar, com voz tensa, preocupada, frases pontuais como "vou para aí", "onde você está?", "calma, calma, calma". Minha mãe levantou e de puro nervoso caiu de volta na cama com as pernas para o ar. Eu não fazia ideia do teor do assunto ou da pessoa com quem meu pai falava. Só o adverti, baixinho: "observe se isso não é um golpe". A partir de então meu pai se tranquilizou e conseguiu ter clarividência o bastante para perceber que de fato caía no velho golpe do "pai, socorro, o bandido me sequestrou e colocou a arma na minha cabeça".
"Que arma, minha filha?"
"Um fuziiiil..."
Minha irmã não reconheceria nem um estilingue.
O bandido entrou na linha:
"E aí, doutor, como nós fazemos?"
"Olha, meu amigo, não fazemos nada porque eu não tenho filha"
"Então o senhor desliga que eu vou tacar fogo nela por ter mentido pra mim"
"Pode tacar. Boa noite".
Bom, mais aprendiz impossível. Falamos um pouco a respeito - até porque, mesmo que quiséssemos, não voltaríamos a dormir mais. Pois aquele princípio de dia 31 ainda nos reservava uma surpresa maior, mais desagradável e mais próxima a nós: um rato!
Sim, depois de tantos anos, esse bicho horrendo volta a circular pela nossa casa - que, diga-se de passagem, fica no último andar de um prédio de 7 andares.
Meu pai comprou veneno. Espalhou pela casa sobre um montinho de arroz antes de irmos dormir.


01 DE ABRIL DE 2012


Durante o dia até esqueci do rato, mas à noite o terror voltou a tomar conta dos meus pensamentos, a afetar o meu corpo, que sofria pequenos espasmos.
Na hora de dormir, não consegui ficar no meu quarto: troquei com o meu pai. E assim, troquei seis por meia-dúzia, vivendo um outro tormento de madrugada, atento a cada ruído, a cada movimento brusco da minha mãe, cujo sono é demasiadamente perturbado.


02 DE ABRIL DE 2012



Quando acordei, tudo o que queria ouvir era: "o rato morreu". Só que a realidade não foi essa. Ele não comeu nada do veneno. Mas também não andou pela casa, já que não havia qualquer vestígio seu, como cocô ou fruta roída. Ele fora embora por conta própria naquela fadtdica madrugada do dia 31.


03 DE ABRIL DE 2012



No entanto eu estava enganado. Após um dia e uma noite de razoável tranquilidade, soube que, sim, ainda hospedávamos um rato - ou mais de um, ainda não sei. Perambulou pela casa, deixou cocô aqui e ali, roeu a gaiola do passarinho e comeu do seu alpiste. Mas comeu também o arroz com chumbinho. Então veio o novo questionamento: terá morrido ou não? Se morreu, onde estará o seu corpo? Muitas pessoas que já sofreram com essa praga contam que uma vez morto no seu ninho, o rato exalará o cheiro do seu corpo putrefeito. E aí começa o segundo round dessa angustiante caçada.
Acontece que o daqui não sofreu nenhum dano digestivo ao ingerir o veneno. Ao contrário: me parece até meio espertinho, como rato de desenho animado. Tanto que sequer pisou na tábua com cola que meu pai deixou perto do freezer velho, lugar onde havia mais vestígio da sua presença.
Desconfiado de que aquela tábua já estava velha, meu pai comprou uma nova, mais potente, e a colocou na porta do banheiro da empregada, onde ficam os passarinhos.
E eis que, enfim, às 22:30h o rato se prendeu na cola da tábua. Está lá, ainda, e assim ficará até o amanhã, quando lhe darão a pena de morte. Engraçado... Agora, pensando assim, ligo essa imagem do rato colado, vivendo sua última noite, à dos prisioneiros que estão no corredor da morte. Me vem até um calafrio. Não pela ideia da morte, mas pela sensação da pré-morte: é quando alcançamos uma hiper-consciência, nos afastamos do cotidiano comezinho e enxergamos a vida com melhor nitidez e lucidez.
Bom, ainda segundo os entendidos do assunto "roedores asquerosos", o rato, uma vez colado, grita alto, provavelmente para pedir socorro aos seus iguais. E isso faz com que outros ratos se prendam, gerando uma verdadeira legião corporativista de condenados. Este, estranhamente, não grita. Se emite algum som, me parece que seja algo como "fui pego, companheiros. É possível que eu morra, caso não consiga me livrar disso pelas minhas próprias patas. Não se aproximem! Se acaso eu não estiver com vocês até o raiar do dia, vinguem-se de quem me fez isso. Procriem-se! Devorem-nos!"


04 DE ABRIL DE 2012 - PRIMEIRAS HORAS



Foi rápido. Duas pauladas breves na cabeça.
Sem gritos.
Estava só.

4 comentários:

  1. Boa tarde...Essa historia é veridica ou ficção?
    Voce ja assistiu o filme "Ben"? Terrivel!!
    Dizem que o rato cnsegue adivinhar ou ler pensamentos...sei lá! Nesse filme fica claro isso, terrivel! Uma vez, morando numa casa bem humilde, porem limpinha, entrou um rato enorme, feio em casa e subiu no peito de meu filho, que tinha na aepoca, 3 anos enquanto dormia. Eu acordei com um barulho e ao olhar para o lado, pois o berço ficava colado a minha cama, vi com a pouca luz do abajur, aquele monstro!
    Acordei meu marido, ja chorando, e o rato assustado fugiu...Passamos a madrugada toda procurando, quando encurralado no banheiro, meu marido deu varias pancadas nele...Aa raiva era tanta, que esmagou-o completamente...Sangue espirrado por todo lado e eu...chorava o tempo todo. Após tudo isso, meu marido ainda recolheu e jogou fora. Depois limpou toda sujeira. Ao contarmos para minha sogra, ela disse que meu marido correu perigo, pois ao encurralar o rato, este podia ficar irado e ataca-lo! Mas penso que, a raiva por te-lo visto em cima de nosso bebe, fora mais forte! Enfim, tragico mas real! Odeio ratos, seja bom ou mal!
    Abraços e parabens pela coragem!

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    Respostas
    1. Sim, infelizmente essa história é real. E o seu marido foi mesmo muito corajoso. Eu nem sei o que aconteceria comigo se eu ficasse cara a cara com esse rato. Desmaiaria, gritaria... sei lá.
      E eu não assisti ao "Ben", não. Ainda bem porque ia ficar com a neurose de que o rato estava lendo meus pensamentos (nada gentis). kkkkkkk.

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  2. Boa tarde!
    Nossa! É terrivel sentir-se
    ameaçado por um animal tão pequeno.
    Mas penso que faz parte do ciclo da vida.
    Se ele existe, tem um fundamento.
    Mas porque vir nos afrontar não é mesmo?
    Argh! Eu tambem gritaria e ate desmaiaria,
    mas com a força de meu Marido para me proteger
    e ao meu filho, fiquei calma e só esperei o fim
    do tal monstro medonho!!ARGH!! Adorei tua resposta!
    Sinto por ter sido real, como a minha tabem foi!
    Abraços e estou sempre a te seguir...Te leio tambem
    na no reflexo, belos posts. interessantes!

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    1. Obrigado, Simone, pelos comentários, por se fazer sempre presente.

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