Ouvi a imprensa discutir a possibilidade de a ex-mulher do Michel Teló receber a metade dos seus rendimentos como cantor daquela bendita música-chiclete "Ai se eu te pego", tal qual exigiu no processo de separação.
Uma repórter foi às ruas perguntar ao povo, saber se concordavam ou discordavam, e a grande maioria, algo como 80%, acredita que é justo Ana Carolina receber, "por ter estado ao seu lado quando Michel começou a fazer sucesso". Ora, mas ninguém conhece o regime do casamento dos dois - se é que há algum!
O que na verdade está em jogo - e o que me espanta - não é bem a superficialidade dessa discussão, mas o que está por trás dela: o conservadorismo do brasileiro. O pensamento é lógico: a mulher estava com ele, aturando seus achaques, o assédio das fãs, então é evidente que merece a metade dos lucros, ainda que sequer seja a tal "delícia, delícia" da música. Trata-se do bom comportamento familiar do brasileiro. A família deve ser uma instituição exemplar!, diziam nossos bisavós. Ana Carolina, bem ou mal, era a "Senhora Teló", não pode ficar desamparada. Uma das entrevistadas, aliás, alegou que assim como Ana Carolina, também quer a metade de tudo o que o marido conquistar. Não interessa que o casal tenha filhos: as uniões no Brasil continuam sendo por interesse, um acordo de "toma lá-dá cá". Apenas não precisam mais da intervenção patriarcal para se realizar. Casamento é um contrato! Está longe de ser o happy end dos contos de fadas e das novelas.
E a pergunta que eu faço é: é válido requerer a metade dos lucros, mesmo que venham por uma música sem qualquer teor significativo e criativo, uma música que esbarra no vulgar, que provavelmente não precisou de qualquer sacrifício intelectual, moral, financeiro para acontecer?
E a pergunta que eu me faço agora é: será que eu também, pensando assim, não sou um conservador velhaco?
Acho que tal qual as outras pessoas, sou um conservador hipócrita, do tipo que é e finge que não é quando convém. Por exemplo: a literatura infantil. Hoje em dia o mercado editorial exige que as histórias tenham um cunho moralizante, com herói bonzinho, de personalidade simples de ser compreendida. Então se eu quisesse criar um enredo cujo protagonista seja um menino triste, já encontraria dificuldades para publicar por uma boa editora. Então, para vê-lo publicado e bem vendido, faço do meu menino um menino triste que fica de repente alegre. Mas por que ajo assim, ora essa, se o que mais vemos por aí são meninos e meninas preocupados cada vez mais cedo com os problemas da vida; crianças de aspecto melancólico e olhar cabisbaixo? Por conservadorismo. Ninguém quer ler verdades. Só que ao mesmo tempo me faço de liberal com as pessoas, prego a liberdade e a libertinagem na hora da conquista. Como entender essa dicotomia?
O Brasil nasceu como uma cópia; um país inventado a partir da união de diversas culturas. A burguesia, tempos depois, começou a imitar o comportamento francês pós revolução industrial. De uns anos para cá, o comportamento industrial norte-americano (time is money!) . Apesar disso, sempre tivemos entranhado na alma o ranço lusitano, que implica num jeito canhestro, fadista, crítico e falso de julgar as escolhas de vida alheia.
Aonde está, afinal, a nossa sinceridade e coerência de reciocínio ao formularmos algum conceito? Qual é a nossa real filosofia de vida? Por que tendemos sempre a ficar em cima do muro e baixar na mesa apenas as cartas que nos são convenientes, em nome do dinheiro, do status ou de qualquer outra coisa material que nos deslumbre?
Não sei dizer. Me coloquei contra a parede da razão e vou sair de fininho, como um bom brasileiro. Só quero exercer o meu direito de dar a minha opinião sobre assunto do momento (porque também sou do povo): que Ana Carolina vá procurar o seu sucesso pessoal e deixe o Michel gozar da sua musiquinha e fortuna.
Porque quando chegar a minha vez, ainda que na Santa Solidão, não quero me surpreender com as reclamações dos outros possíveis "sócios".