Powered By Blogger

Páginas

quarta-feira, 11 de abril de 2012

CAIO FERNANDO ABREU A QUEM INTERESSAR POSSA




Conheci a literatura de Caio Fernando Abreu quando nem me imaginava a percorrer as salas de uma universidade.

O ano era o 2000 e eu, um garoto de 17 anos nem um pouco preocupado com o Bug do Milênio, estava no trem e vi, nas mãos de uma jovem normalista, o livro Morangos mofados. Fiquei curioso com o título. Lembro que por um bom tempo retive a imagem que aquelas duas palavras me suscitaram: a de duas mulheres bem velhinhas, morando juntas, embora se odiassem. Seria essa a história do livro?, me perguntava. Eu não tinha como obter a resposta: não existia Google naquele tempo. E internet, pelo menos para mim, era coisa de outro mundo.

Os anos passaram e eis que, tendo eu me esquecido completamente daquele incidente, me cai nas mãos Inventário do irremediável, primeiro livro do Caio em uma nova edição. Na contracapa, havia a lista dos seus outros livros. Dentre eles: Morangos. Pronto: ganhara minha atenção.

No meio do prefácio desta edição, Caio se diz “perigosamente influenciado por Clarice Lispector”. Foi nessa hora que me deu o segundo estalo de comunhão: não estou sozinho!

Corria já o ano de 2005 e desde 2001 eu me embrenhava na senda clariciana. Escrevia contos e mais contos (à máquina) absolutamente envoltos nas malhas literárias daquela mulher de olhos de pantera, mãos deformadas e “erres” afrancesados. Ali, naquele prefácio, era como se Caio dissesse: “Rodrigo, eu também”. Apenas isso: “eu também”.

Decidi ler Inventário do irremediável com os olhos de quem procura entender os motivos secretos de um companheiro. E me vi comentando com o Caio: “É, amigo, quem não?”. Porque realmente é difícil ler Clarice e não se ver completamente robotizado, dominado pelas suas palavras. Meu Deus, eu escrevia tão parecido, raciocinava tão parecido, que cheguei a pensar ser a reencarnação da própria.

“Quem não?”.

Foi quando vi a preciosidade que era a literatura de Caio Fernando Abreu. Embora assumindo-se clariciano, Caio conseguiu livrar-se do jugo da (nossa) mentora e andar com as próprias pernas – afirmar a sua poética, que pode não ser das mais originais e geniais, mas não deve nada à dos grandes nomes da nossa literatura. Também, quem pode achar que está fazendo algo espetacular na literatura brasileira depois de Clarice Lispector e Guimarães Rosa? É tolice. Esforço vão. Acho até que Caio foi muito esperto em perceber isso a tempo, antes de deixar que a sua arte lhe escorresse por entre os dedos graças a essa escalada-em-mãos-limpas-do-Monte-Everest que muitos doidos se acham capazes de fazer. Ninguém consegue. Não estou querendo desqualificar os outros escritores (novos ou antigos), nem colocá-los em um ranking de qualidade, mas, realmente, outra Clarice e outro Rosa não nascem mais. Assim como Joyce. Assim como Dali, Picasso, Beckett, Bergman, Truffaut.

Então, aqui estou eu, já graduado, tornando público – a quem interessar possa – um ensaio sobre um conto do Caio; um conto que se encontra em Morangos mofados. Apesar do título acadêmico que conquistei, não produzi este texto visando agradar apenas à Academia. É evidente que aqui e ali no meu texto será detectada uma linguagem própria de quem acabou se acostumando a ler e a produzir textos acadêmicos. Mas no geral, há, sim, a busca por uma linguagem menos emproada, com menos bolor acadêmico; uma forma de falar de literatura – ou de qualquer outro tema – de maneira mais solta, mais leve, mais sincera e, sobretudo, mais pessoal. Pode não agradar os que pensam que existe um modelo de crítica. Por outro lado, pode ser uma flecha que aponta algum caminho – não me pergunte qual. O importante é que eu senti um grande prazer em criar este texto, em me debruçar no conto escolhido, em escolher a dedo os teóricos com os quais eu iria dialogar. Isso, para mim, é o aprendizado que ficou dos anos que passei na Universidade Federal do Rio de Janeiro: a liberdade intelectual.



Pois veja: me dei o luxo de dizer “O texto do Caio tem um quê de existencialista, mas não estou com vontade de pegar Sartre, Heidegger e Cia”. Então me fiz de morto quanto a este aspecto do estilo do Caio e contemplei outros teóricos que me interessavam mais. Ando fascinado por algumas questões sociológicas, por exemplo. Peguei alguns autores dessa ciência. Como não? E Freud e sua psicanálise? Tadinho, também quis deixá-lo de lado dessa vez. Mas eis que me aparece, qual um clandestino, encolhidinho, na rebarba das teorias dos outros. Fiquei com pena: deixei-o participar da brincadeira, oras.

Assim é que concluo a primeira etapa de um planejamento antigo acerca dos autores contemporâneos nacionais. Este ensaio, que disponibilizo para o download, representa um esboço do que ainda está por vir; é um caminho, apenas. Não que eu o tenha escrito com desleixo e má-vontade: ao contrário. Porém tenho consciência de que é preciso dar mais alguns muitos passos até que eu atinja a linguagem, o estilo, que tenho em mente, que almejo.

Um outro ensaio já está em fase de “pesquisa”. Já tenho um nome, um escritor escolhido. É brasileiro, jovem, está produzindo magnificamente, já tem livro traduzido para vários idiomas e vem sendo chamado por alguns como o “principal nome da literatura sul-americana da atualidade”. Seu nome? É.... NÃO CONTO! Pelo menos por enquanto.

Por ora fiquemos com o Caio Fernando Abreu, ou Caio F., como ele gostava de ser chamado pelos íntimos e se autodesignava – como uma espécie de frágil pseudônimo –, em alusão à famosa personagem Christine F.

Enfim, este é o Caio. E este sou eu.

Acho que também consegui, de certa forma – não sem dor –, colocar a Clarice para descansar na estante e redescobrir a sinceridade da ponta dos meus próprios dedos.




Aos que baixarem o meu ensaio, boa leitura.

Desejo que sintam o mesmo prazer que tive ao produzi-lo.

“Axé, axé. Odara”



DOWNLOAD: basta clicar no link abaixo e depois, no site do sendspace, no quadradinho azul escrito "click here to start download".


Pode confiar: eu me certifiquei de que não tem vírus nem nada.






quarta-feira, 4 de abril de 2012

AS ÚLTIMAS NOITES DE UM RATO




31 DE MARÇO DE 2012

RIO DE JANEIRO - 4:20 DA MANHÃ



O telefone tocou. Como de hábito, meu pai pulou sobre o criado-mudo ao seu lado e atendeu. Agindo conforme um instinto, também saí da cama e segui para o quarto dos meus pais: algo terrível acontecera a alguém. No caminho eu já ouvia meu pai falar, com voz tensa, preocupada, frases pontuais como "vou para aí", "onde você está?", "calma, calma, calma". Minha mãe levantou e de puro nervoso caiu de volta na cama com as pernas para o ar. Eu não fazia ideia do teor do assunto ou da pessoa com quem meu pai falava. Só o adverti, baixinho: "observe se isso não é um golpe". A partir de então meu pai se tranquilizou e conseguiu ter clarividência o bastante para perceber que de fato caía no velho golpe do "pai, socorro, o bandido me sequestrou e colocou a arma na minha cabeça".
"Que arma, minha filha?"
"Um fuziiiil..."
Minha irmã não reconheceria nem um estilingue.
O bandido entrou na linha:
"E aí, doutor, como nós fazemos?"
"Olha, meu amigo, não fazemos nada porque eu não tenho filha"
"Então o senhor desliga que eu vou tacar fogo nela por ter mentido pra mim"
"Pode tacar. Boa noite".
Bom, mais aprendiz impossível. Falamos um pouco a respeito - até porque, mesmo que quiséssemos, não voltaríamos a dormir mais. Pois aquele princípio de dia 31 ainda nos reservava uma surpresa maior, mais desagradável e mais próxima a nós: um rato!
Sim, depois de tantos anos, esse bicho horrendo volta a circular pela nossa casa - que, diga-se de passagem, fica no último andar de um prédio de 7 andares.
Meu pai comprou veneno. Espalhou pela casa sobre um montinho de arroz antes de irmos dormir.


01 DE ABRIL DE 2012


Durante o dia até esqueci do rato, mas à noite o terror voltou a tomar conta dos meus pensamentos, a afetar o meu corpo, que sofria pequenos espasmos.
Na hora de dormir, não consegui ficar no meu quarto: troquei com o meu pai. E assim, troquei seis por meia-dúzia, vivendo um outro tormento de madrugada, atento a cada ruído, a cada movimento brusco da minha mãe, cujo sono é demasiadamente perturbado.


02 DE ABRIL DE 2012



Quando acordei, tudo o que queria ouvir era: "o rato morreu". Só que a realidade não foi essa. Ele não comeu nada do veneno. Mas também não andou pela casa, já que não havia qualquer vestígio seu, como cocô ou fruta roída. Ele fora embora por conta própria naquela fadtdica madrugada do dia 31.


03 DE ABRIL DE 2012



No entanto eu estava enganado. Após um dia e uma noite de razoável tranquilidade, soube que, sim, ainda hospedávamos um rato - ou mais de um, ainda não sei. Perambulou pela casa, deixou cocô aqui e ali, roeu a gaiola do passarinho e comeu do seu alpiste. Mas comeu também o arroz com chumbinho. Então veio o novo questionamento: terá morrido ou não? Se morreu, onde estará o seu corpo? Muitas pessoas que já sofreram com essa praga contam que uma vez morto no seu ninho, o rato exalará o cheiro do seu corpo putrefeito. E aí começa o segundo round dessa angustiante caçada.
Acontece que o daqui não sofreu nenhum dano digestivo ao ingerir o veneno. Ao contrário: me parece até meio espertinho, como rato de desenho animado. Tanto que sequer pisou na tábua com cola que meu pai deixou perto do freezer velho, lugar onde havia mais vestígio da sua presença.
Desconfiado de que aquela tábua já estava velha, meu pai comprou uma nova, mais potente, e a colocou na porta do banheiro da empregada, onde ficam os passarinhos.
E eis que, enfim, às 22:30h o rato se prendeu na cola da tábua. Está lá, ainda, e assim ficará até o amanhã, quando lhe darão a pena de morte. Engraçado... Agora, pensando assim, ligo essa imagem do rato colado, vivendo sua última noite, à dos prisioneiros que estão no corredor da morte. Me vem até um calafrio. Não pela ideia da morte, mas pela sensação da pré-morte: é quando alcançamos uma hiper-consciência, nos afastamos do cotidiano comezinho e enxergamos a vida com melhor nitidez e lucidez.
Bom, ainda segundo os entendidos do assunto "roedores asquerosos", o rato, uma vez colado, grita alto, provavelmente para pedir socorro aos seus iguais. E isso faz com que outros ratos se prendam, gerando uma verdadeira legião corporativista de condenados. Este, estranhamente, não grita. Se emite algum som, me parece que seja algo como "fui pego, companheiros. É possível que eu morra, caso não consiga me livrar disso pelas minhas próprias patas. Não se aproximem! Se acaso eu não estiver com vocês até o raiar do dia, vinguem-se de quem me fez isso. Procriem-se! Devorem-nos!"


04 DE ABRIL DE 2012 - PRIMEIRAS HORAS



Foi rápido. Duas pauladas breves na cabeça.
Sem gritos.
Estava só.