Pois ontem eu ouvi a harpa dos anjinhos.
Foi assim: assistindo TV, senti um aperto forte no peito, como se alguém tivesse enfiado a mão lá dentro e apertado meu coração. Era uma mão gelada, que esfriou todo o meu corpo e ressecou minha boca. Lembro-me de ter pensado: "logo agora que as coisas começam a dar certo na minha vida, vou cantar para subir?". Respirei fundo e recuperei a consciência que parecia estar perdendo. Caminhei pela casa, melhorando pouco a pouco. E então me vieram pensamentos do tipo: "Será que isso foi uma premonição, de algo que aconteceu com alguma pessoa querida minha?". Fiquei encucado. Quem poderia estar passando por algum sufoco a uma hora dessas (era 11h da noite)? Fui levantando uma lista mentalmente. À princípio, fui contemplando quem provavelmente estava na rua àquela hora - só podia ter sido na rua. Depois raciocinei bem e concluí que, afinal, todos corriam risco de morrer em casa mesmo. Inclusive eu. A imagem do meu pai me veio à mente. Ele já dormia. Teria sido ele? Fui até o seu quarto. Acompanhei sua respiração. Minha mãe estava do meu lado, na hora do susto, acordadíssima. Tanto que nem se deu conta da minha aflição.
Bom, tanto o aperto no peito quanto a sensação de "tragédia" se dissipou. E aí pensei na netinha da minha vizinha, que certa vez, quando tinha dois anos de idade, fez todo mundo rir ao mostrar o seu entendimento da morte.
Foi assim: uma criança tinha morrido por algum motivo e o Jornal Nacional anunciava. Atenta e curiosa, ela perguntou à mãe o que tinha acontecido com a criança. E a mãe, aproveitando a deixa, respondeu: "Foi uma criança que não gostava de comer, sabe, e que fazia bagunça nos brinquedos e não arrumava que morreu". A menina arregalou os olhos, assustada, e perguntou: "Fui eu que morri, mãe? Eu morri?"